sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Diploma pra quê?

Aconteceu este ano uma visita do Ministro da Educação à UFV e, em uma solenidade em salão aberto, cheio de elogios ao governo em processo eleitoral, a representante dos estudantes, na mesa, encerrou sua exposição de reivindicações brandas dizendo que “sonhamos com uma sociedade onde o filho do pedreiro possa ser doutor...”.
Naquele mesmo salão, um critico social, Jessé Souza, falou meses antes que o eixo de toda análise de sociedade é o da lógica da dominação nas relações sociais. A copa do mundo figura bem isso. É fato, então, que todo sistema de normas (como o que regula a formação de “doutores”) corrobora esse processo de dominação ao controlar qualquer forma de perturbação da hegemonia nesta ordem subjetivamente dominadora. Assim, a universidade, na lógica das instituições normativas, cumpre papel de legitimar um processo de dominação entre segmentos “melhores” ou “piores” de sociedade por uns terem estudado e outros não (ou você não ostenta, também, um salário melhor ao obter diploma universitário?).
Em um período de industrialização no Brasil, desde a primeira metade do sec. XX, a divisão sócio-técnica do trabalho viveu um processo de regulamentação de profissões que teve desdobramentos perversos em termos de justiça e desigualdade sociais. Em resumo, só tinham acesso a benefícios e serviços previdenciários categorias reconhecidamente profissionais, regulamentadas pelo Estado (coitados dos músicos, que custaram a superar o estigma da malandragem..., e das empregadas domésticas, últimas a surgirem nesse hall, como se fosse apenas tarefas para incapazes... – Presto, aqui, uma homenagem à minha diarista que cumpre em um dia o que não consigo cumprir em uma semana, um mês ou em vinte e oito anos!). Isso gerou um processo chamado por Wanderley Guilherme dos Santos de “cidadania regulada”.
A profissão de jornalismo viveu processo inverso, recentemente. E a abolição da exigência de diploma para esses provoca relativos rumores corporativos de que a profissão perca respaldo técnico, em perspectivas como a de quem diz que “assim como para fazer um bom prato de comida, para fazer jornalismo não é preciso ter um curso universitário”. Há quem argumenta, então, que a universidade garante seguras oportunidades de aprendizado para exercícios de atividades de responsabilidades importantes. Já me questiono há muito tempo se o pedreiro ou o cozinheiro e, há menos tempo, o jornalista, não exercem atividades de fortes impactos sociais e responsabilidades. E se todos eles não passaram também por processos de aprendizagem científicos, técnicos e humanos... E será mesmo que, por exemplo, a hegemônica medicina, da medicação não assistida, como a que temos, os bem formados “doutores”, cumprem com zelo sua importante responsabilidade social? Por que nunca será abolida a exigência de diploma daquela profissão de elite? (já respondi). O que emperra tanto o nosso sistema público de saúde? Vale lembrar, aqui, das cuidadosas medicações maternais/familiares em saúde, ou os tradicionalíssimos cuidados naturais em saúde, difundidas por séculos no senso comum sem regulações “diplomoáticas”.
A ostentação de diplomas pensada na perspectiva da valorização da pessoa ou da regulamentação das profissões (e regulação da cidadania), só plausíveis aos que “estudam”, reproduz um processo de segregação e desequilíbrio no mundo do trabalho, determinantes na formação de uma sociedade desigual. E se é assim, diploma pra quê?  Sonho com uma sociedade onde o filho do doutor possa ser pedreiro...

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